O que eu, mulher, já vivi no mercado de Tecnologia

Tatiana Fonseca: Vice-presidente executiva de Operações na Cirion Technologies
*Na foto: Tatiana Fonseca – Imagem: divulgação / Cirion

Que mulher nunca ouviu alguma dessas frases no seu dia a dia de trabalho? “Lá vem a (nome da mulher) enfeitar a reunião”, “Você está naqueles dias?”, “Tá tudo bem na sua casa?”, “Ela foi muito macho”, “A gravidez vai atrapalhar seu crescimento”, “Deve estar saindo com o chefe”. Vou parar por aqui, mas a quantidade de frases e expressões é imensa, tanto quanto o machismo em nossa sociedade. Porém, o meu foco aqui vai ser no mercado de trabalho, em especial no de tecnologia, onde eu atuo há mais de 30 anos, e em como ter sucesso nessa área.

Em TI, muitas mulheres ainda costumam ouvir “Que legal você estar nessa área mesmo sendo mulher“. Infelizmente, nós, mulheres, ainda somos poucas nesse mercado. Para ser mais exata, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) mais recente feita pelo IBGE aponta que apenas 20% dos profissionais que atuam nessa área são mulheres. E vivendo essa realidade diariamente, eu sempre me pergunto por que isso ainda acontece até hoje?

Com certeza, as possíveis explicações são muitas, que vão do preconceito, machismo, contextos históricos e sociais, além das dificuldades reais, emocionais e até físicas, que só as mulheres sabem. Tudo isso tem grandes consequências. Uma das que mais senti é a falta de referências profissionais femininas na área de TI. Durante a minha trajetória, tive poucas ou nenhuma. Em 1993, quando comecei a minha carreira, a quantidade de mulheres que já tinham trilhado o caminho antes de mim e em que eu pudesse me espelhar era praticamente nula. Minhas referências de performance eram masculinas e isso fez com que eu acabasse me aproximando de um jeito masculino de lidar com o dia a dia de trabalho. Até o meu tom de voz tive que mudar para ser mais alto e duro.

Sem referências e informações – já que pouco se falava em equidade de gênero -, eu achava que aquele cenário era normal e eu é quem deveria me adaptar. Felizmente, 30 anos depois, caminhamos muito na conquista de ambientes corporativos mais inclusivos. Temos mais exemplos femininos de sucesso e isso inspira as novas gerações a acreditarem que é possível crescer em qualquer tipo de setor.

Como vencer desafios?

Pensando nisso, aqui cabe um bom conselho. Se você quer trabalhar com TI, não desista. Estude muito e não desista. Busque referências positivas e reprograme sua mente. Se tiver medo, vai com medo mesmo. Inspire-se em mulheres que já chegaram lá, não tenha medo de novos desafios, seja adaptável e siga em frente um dia de cada vez. Pense que você, um dia também pode ser exemplo e inspiração para outras meninas e mulheres.

Seguindo nessa linha inspiracional e motivacional, muita gente me pergunta como eu enfrentei e enfrento os desafios da minha carreira. Hoje em dia, eu enxergo esses obstáculos como barreiras superáveis. Crio estratégias e métodos e me entrego ao máximo para resolvê-los. Eu sei que falando assim parece fácil e papo de autoajuda. Eu entendo, mas passei a encarar assim depois que me tornei mãe atípica de um filho autista, que é a razão da minha vida.

Principalmente depois que me tornei mãe, passei a entender que qualquer desafio pode ser superado e aprendi a lidar com tudo em minha vida de uma forma mais humana e consciente. Um dos métodos que uso é definir e acreditar em um propósito externo. Porque, mesmo nos meus piores dias, eu não ia trabalhar por mim. Eu saía de casa pelo meu filho, pela minha família.

Pessoalmente, eu também acredito, pois aprendi na prática, que todas as experiências que você já viveu servem para alguma coisa. Situações boas ou ruins, que deixam você desconfortável ou incomodada, erros, traições, a única certeza que eu tenho é que isso vai me fortalecer, fará sentido na minha história e que não poderia ser diferente para meu processo de evolução pessoal. Acredito que esse tipo de mentalidade nos ajuda a passar pelas situações de modo que você sobreviva a elas.

Minha realidade hoje

Atualmente, lidero mais de mil colaboradores e parceiros em 20 países, que controlam mais de 90,5 mil quilômetros de fibras terrestres e submarinas, mais de 12.400 edifícios conectados, através de 2 mil nodos de rede. Além da parte operacional, meu trabalho diário está muito relacionado com o desenvolvimento desses times, e de cada um dos colaboradores que estão sob o meu guarda-chuva. Acredito na importância da liderança humanizada por meio de metodologias ágeis, e, por esse motivo, viajo por toda América Latina para conhecer e interagir com cada uma dessas pessoas. Essa dedicação não aumenta apenas os resultados individuais, mas da empresa como um todo.

E, claro, diariamente, também luto para que o nosso local de trabalho e o mercado de tecnologia, em especial, possam ser mais inclusivos para todas as pessoas. . E, até mesmo este artigo aqui é mais uma ação importante para provocar reflexão e dar visibilidade para esse assunto tão sério, urgente e importante.

Ah, por fim, mas não menos importante, ao ouvir qualquer uma das frases citadas aqui no texto ou mesmo aquelas que não são ditas na sua frente no dia a dia, sobre violências diversas e desrespeitos que sofreu, deixo uma reflexão de que gosto bastante: não tome como pessoal aquilo que pertence ao outro. E siga em frente!

*Por Tatiana Fonseca, Vice-presidente executiva de Operações na Cirion Technologies


Leia também