
Nos últimos anos, os ataques cibernéticos no Brasil não apenas aumentaram em volume, mas também em sofisticação. Em 2024, o país registrou impressionantes 356 bilhões de tentativas de invasão digital, segundo dados do FortiGuard Labs. Esse número representa um aumento significativo em relação aos anos anteriores, refletindo uma mudança na estratégia dos cibercriminosos, que agora priorizam ataques mais direcionados e complexos. A evolução nas táticas de ataque exige que as empresas adotem medidas de segurança mais robustas e integradas para proteger seus ativos digitais.
E as ameaças não se limitam somente ao espaço virtual. Ameaças híbridas – que combinam vetores cibernéticos e físicos – também se intensificaram. Empresas e infraestruturas críticas enfrentam riscos que vão de brechas digitais a incidentes físicos como incêndios, sabotagem ou desastres naturais.
Em paralelo, eventos climáticos extremos e ações maliciosas tangíveis continuam a ameaçar data centers e equipamentos corporativos. Em outras palavras, segurança cibernética e infraestrutura física andam de mãos dadas no enfrentamento das ameaças atuais.
O retorno da sala-cofre como uma camada estratégica de proteção
Nesse contexto de ameaça ampliada, as empresas estão redescobrindo as salas-cofre como uma importante camada complementar na estratégia de segurança digital. Historicamente concebida como uma solução de proteção física – literalmente uma sala fortificada para abrigar servidores e mídias – a sala-cofre evoluiu para se integrar à abordagem holística de segurança da informação.
Vários fatores explicam por que algumas empresas voltaram a apostar nessas estruturas. Primeiro, a proliferação de ataques de ransomware e outras ameaças digitais fez crescer a recomendação de manter backups offline e isolados – e não há isolamento mais seguro do que um cofre físico. Segundo, os custos de inatividade e perda de dados atingiram patamares recordes, tornando o investimento em proteção física altamente justificável. Quando uma sala-cofre garante a integridade da infraestrutura mesmo sob incidentes graves, o retorno do investimento torna-se rápido e certo, evitando prejuízos operacionais e de negócios. Em prédios compartilhados ou ambientes de TI híbridos, a sala-cofre atua como uma apólice de seguro: se o pior acontecer, a empresa terá condições de se recuperar rapidamente.
Além disso, a adoção de salas-cofre reflete uma mudança cultural. Empresas antes focadas exclusivamente no digital passaram a reconhecer que a resiliência completa exige abordar tanto o virtual quanto o físico. Não se trata de retroceder no tempo, mas sim de combinar o melhor dos dois mundos: firewalls, criptografia e sistemas de detecção cuidam das ameaças lógicas, enquanto a sala-cofre mitiga riscos ambientais e humanos (incêndios, água, poeira, sabotagem) que também podem causar a perda ou indisponibilidade de dados. Em síntese, a sala-cofre ressurge não como um gasto a mais, mas como parte integrante de uma estratégia moderna de defesa em profundidade, oferecendo uma camada adicional de proteção em tempos de ameaças complexas.
Novas certificações técnicas e exigências internacionais
As salas-cofre contemporâneas diferem muito dos cofres de antigamente. Elas incorporam uma série de requisitos técnicos e tecnológicos avançados para fazer frente às ameaças atuais. Estas salas podem suportar incêndio severo por pelo menos 60 minutos e são desenvolvidas para não permitir que a temperatura interna exceda 75 °C, nem que a umidade relativa ultrapasse 85%, mesmo sob calor e pressão extremos, dessa forma os equipamentos eletrônicos em seu interior não sofrem danos térmicos ou por condensão enquanto o fogo é combatido.
Além da barreira ao fogo, as salas-cofre devem ser verdadeiras fortalezas ambientais. Elas precisam impedir a entrada de água e poeira, seja proveniente de tubulações rompidas, de mangueiras dos bombeiros ou de detritos do ambiente externo. Para isso, adotam vedação de alto padrão, com nível de proteção equivalente a IP-66 ou similar, bloqueando jatos de água e partículas contaminantes. A estanqueidade e isolamento garantem também que fumaça e gases corrosivos não penetrem, protegendo circuitos delicados de contaminação química.
Tais características são essenciais, pois em um sinistro real não é apenas o fogo que ameaça o data center: explosões podem lançar destroços, o acionamento de sprinklers pode causar inundações, e a fuligem pode arruinar servidores. A sala-cofre, ao ser hermética e estruturalmente reforçada, funciona como um cofre dentro do cofre, mantendo a integridade mesmo se o prédio ao redor colapsar parcial ou totalmente.
A depender da sensibilidade dos equipamentos e da criticidade dos dados, muitas salas-cofre modernas são projetadas com blindagem eletromagnética – efetivamente atuando como uma gaiola de Faraday. Com isso, o ambiente interno fica imune a perturbações externas que poderiam causar mau funcionamento de servidores ou exponenciar erros de transmissão. De quebra, essa característica protege contra espionagem por emissão de sinais (tempest), evitando vazamento de informações via ondas de rádiofrequência.
Integração da sala-cofre à arquitetura moderna de segurança cibernética
A adoção de salas-cofre hoje não ocorre de forma isolada, mas sim integrada à arquitetura de segurança cibernética corporativa. Empresas de vanguarda veem a sala-cofre como mais um componente de sua estratégia de ciber-resiliência, alinhando políticas e tecnologias de modo que o todo seja maior que a soma das partes.
Na prática, isso significa que o plano de segurança considera cenários combinados: por exemplo, um ataque cibernético grave pode ser acompanhado por tentativas de sabotagem física, ou um desastre natural pode ser explorado por criminosos para roubar dados enquanto os sistemas estão offline. Nesses casos, a sala-cofre atua em conjunto com as defesas lógicas. Enquanto firewalls, antivírus e sistemas de detecção de intrusão tentam barrar o invasor digital, a sala-cofre impede que qualquer agressão física (fogo, explosão, intruso) destrua os servidores ou os deixe inacessíveis. Se, por alguma fatalidade, hackers contornarem todas as barreiras e ativarem um malware destrutivo, os backups dentro da sala-cofre permanecerão a salvo, desconectados e isolados o suficiente para possibilitar uma restauração rápida.
Uma das tendências arquitetônicas atuais é o conceito de “zero trust” não apenas na rede, mas também no ambiente físico. Ou seja, assume-se que nenhum perímetro está 100% livre de riscos – inclusive o prédio da empresa. Assim, informações realmente críticas podem ser duplicadas em mídia desconectada e guardadas em sala-cofre, garantindo um último recurso de recuperação em caso de ransomware, ou ataques de sabotagem coordenados.
As salas-cofre modernas também são projetadas para se conectar aos sistemas de gerenciamento e monitoramento central. Integradas ao SIEM (Security Information and Event Management) elas fornecem telemetria contínua: temperatura, umidade, status dos sensores, travamento de portas, tudo é acompanhado em tempo real, permitindo à equipe de TI agir proativamente.
Naturalmente, investir em uma sala-cofre não elimina a necessidade de manter defesas cibernéticas robustas. Ela deve ser vista como parte de um ecossistema: tão importante quanto backups criptografados, políticas de acesso e treinamento de usuários. A sala-cofre é a última trincheira, mas a empresa precisa vigiar todas as frentes. Quando integrada a um plano abrangente de segurança, entretanto, seu valor é incomensurável. Casos reais demonstram que, no momento da verdade – seja um ataque devastador ou um desastre inesperado –, essa infraestrutura pode fazer a diferença entre a continuidade dos negócios ou o colapso total.
O panorama contemporâneo aponta que veremos cada vez mais empresas adotando essa abordagem híbrida de segurança. Não por modismo ou saudosismo tecnológico, mas porque a realidade impõe camadas múltiplas de proteção. E se a transformação digital acelerou processos e ampliou exposições, ela também nos lembra de que, para todo avanço virtual, é prudente um passo de fortificação real. A sala-cofre, portanto, consolidou-se como um pilar estratégico da segurança digital corporativa, garantindo que mesmo diante do inesperado – seja um hacker ou um incêndio – a empresa permaneça de pé e operacional, custe o que custar.
Escrito por: Eduardo Gomes
*Eduardo Gomes, Gerente de Cibersegurança na TÜV Rheinland.