Para muita gente, a pandemia do coronavírus tem gerado uma sensação de que nada mais será como antes. É um pensamento aparentemente justo, uma vez que todos nós estamos, em alguma medida, aprendendo a viver uma vida diferente, à espera do que muitos já se habituaram a chamar de “o novo normal”. De fato, muita coisa mudou e ainda mudará, mas também é verdade que alguns conceitos já existentes serão reforçados com a crise. É o caso, por exemplo, do papel dos dados digitais na sociedade.
Nos últimos meses, vimos que o valor dos registros vai muito além da área de tecnologia das empresas. A capacidade de análise inteligente de dados ganhou espaço como um fator utilizado por governos dos mais diversos países, em busca de formas de combater e aplacar as ondas de contágio, e por laboratórios, universidades e empresas, trabalhando arduamente para consolidar pesquisas e desenvolver soluções no combate à COVID-19. Os dados, portanto, foram e estão sendo utilizados para salvar vidas.
Evidentemente, todo esse movimento global só foi possível por conta de um sólido ajuste de colaboração, unindo diferentes propósitos para garantir a segurança das pessoas. Mas também foi essencial a existência de tecnologias para agrupar, organizar, catalogar, cruzar e recuperar informações úteis para a definição das ações que serviriam de base para os avanços em cada uma das áreas.
Ainda assim, as iniciativas com o uso de dados digitais ganharam os holofotes globais não apenas como um caminho positivo e imune às dúvidas. A utilização dos registros e conteúdos virtuais serviu também para realimentar as discussões sobre o limite da privacidade na era digital.
Na China, por exemplo, o governo criou uma série de soluções para estimular o isolamento social e a busca por saídas do surto a partir da consolidação de informações da população. Entre as ações, destaque para o desenvolvimento de aplicativos capazes de rastrear e monitorar os cidadãos em todas as tarefas do dia a dia – do ato de sair às ruas até onde cada um dos chineses utilizava seus cartões de crédito.
O mesmo aconteceu na Coreia do Sul, país que recebeu vários elogios em relação ao controle de casos e mortes por coronavírus. Lá, a aplicação em uso permite o monitoramento dos indivíduos, principalmente aqueles que foram infectados pelo vírus ou que tiveram contato com pessoas doentes. O controle seria, a princípio, anônimo – mas era possível saber se alguém na sua vizinhança estava contaminado, o que poderia representar, portanto, algum grau de invasão de privacidade.
No Brasil, o uso de ferramentas desse tipo foi aparentemente menor. Digo aparentemente, pois é fato que diversos Estados usaram dados de geolocalização para monitorar o nível de isolamento social e diversos aplicativos e lojas virtuais também se renderam às ferramentas desse mercado para garantir a comunicação com os clientes.
Neste contexto, é válido destacar que ninguém duvida de que a “intenção” por trás dos apps da China e da Coreia do Sul ou das iniciativas de gestão governamental no Brasil eram boas. Entretanto, também deixam evidente que a disponibilidade de nossas informações pessoais leva ao fim da privacidade de cada um de nós.