O cenário atual do Marketing B2B é marcado por paradoxos. De um lado, nunca houve tantas evidências do poder do digital: estudos globais indicam que dois terços do processo de compra B2B já ocorrem por canais digitais, e que até 80% das interações de vendas B2B ocorrerão via meios online até 2025.
Ou seja, o comprador corporativo moderno – munido de informação – avança grande parte da jornada de decisão sozinho, pesquisando na internet e consumindo conteúdo, postergando o contato com fornecedores para etapas finais. No Brasil, é cada vez mais comum decisores chegarem à mesa de negociação muito bem-informados, muitas vezes depois de mais de 10 interações com a empresa vendedora, envolvendo múltiplos stakeholders. Os compradores B2B brasileiros também navegam por um ciclo complexo e demorado, que requer uma cadência de toques e conteúdos relevantes para construir confiança ao longo do tempo.
Por outro lado, muitos gestores de Marketing ainda hesitam em investir a maior parte de suas fichas no digital. Esse ceticismo se manifesta de várias formas: desde a priorização continuada de métodos tradicionais de prospecção até declarações de desconfiança nos retornos das ações online. Existe um “pé atrás” quando o assunto é confiar no digital como pilar estratégico.
Por que a resistência persiste?
Há razões históricas e culturais que explicam essa resistência. O marketing B2B brasileiro se desenvolveu por décadas apoiado em relações pessoais e abordagens tradicionais. Feiras de negócios, almoços com clientes, visitas comerciais e ligações telefônicas formaram a base do relacionamento comercial.
Muitos gestores atuais ascenderam profissionalmente nesse contexto, em que confiança se construía com aperto de mão e olho no olho, e não com cliques ou visualizações. Assim, é compreensível que haja um desconforto natural em deslocar a confiança para o ambiente digital. Para esses líderes, pode soar contraintuitivo acreditar que um webinar ou uma sequência de conteúdo no LinkedIn possa influenciar tanto quanto uma reunião presencial de alto nível.
Há aqui, portanto, um componente geracional e cultural: o digital muitas vezes é visto como impessoal ou superficial diante da tradição das relações humanas diretas. Outra fonte de ceticismo vem da falta de conhecimento profundo e de resultados claros nas iniciativas digitais já realizadas.
Nem todo mundo colheu bons frutos nas primeiras tentativas de marketing online – especialmente quando elas não foram acompanhadas de planejamento estratégico sólido. A pesquisa O Status Marketing B2B, do ano de 2017, revelava que, àquela época, embora 80% das empresas B2B no Brasil já utilizassem marketing digital para gerar oportunidades, 47% não possuíam uma estratégia clara para guiá-lo.
Ou seja, metade navegava sem mapa num território novo. Isso levou, previsivelmente, a erros, expectativas frustradas e uso ineficaz de recursos, alimentando a percepção de que “digital não funciona para o meu negócio”. Mesmo hoje, com práticas mais maduras, o gap de capacitação técnica ainda preocupa: numa sondagem recente, 90% dos profissionais de marketing B2B admitiram saber pouco sobre Inteligência Artificial, e apenas 6,3% se dizem plenamente familiarizados com o assunto.
Ou seja, a tecnologia evolui rápido, mas a curva de aprendizado nas equipes nem sempre acompanha – o que gera insegurança na tomada de decisão. Não surpreende, portanto, que haja gestores apreensivos em apostar todas as fichas num terreno onde não se sentem à vontade.
Além disso, a “névoa do hype” em torno das tendências tecnológicas pode ofuscar a visão prática. Termos como IA generativa, Big Data, martech, automatização full-funnel inundam artigos e eventos, muitas vezes sem tradução clara para a realidade cotidiana das empresas.
Essa mistura de exagero e promessa deixa parte dos executivos em estado de suspensão: eles enxergam potencial, porém temem se deixar levar por modismos sem resultado tangível. Em alguns casos, gestores podem ter seguido conselhos genéricos de “gurus” digitais e se decepcionado, reforçando o ceticismo.
O consumidor corporativo mudou – e a autoridade digital ganha protagonismo
Embora a prudência dos gestores seja compreensível, é preciso reconhecer que o comportamento do consumidor corporativo se transformou profundamente. Hoje, um profissional de compras ou um diretor técnico que busca solução para sua empresa faz pesquisas extensas na internet, compara fornecedores anonimamente e busca validação de terceiros antes de falar com um vendedor.
Levantamentos recentes indicam que 63% dos decisores B2B confiam mais em recomendações de especialistas e influenciadores do que em comunicações diretas das marcas. Ou seja, especialistas e influenciadores corporativos exercem peso maior na decisão do que aquele discurso publicitário tradicional. Quem percebe isso investe na construção de autoridades digitais internas – transformando seus técnicos ou executivos em porta-vozes online, produzindo conteúdo técnico de alto valor e fomentando comunidades em torno de seus setores.
Já não é surpresa ver grandes contratos sendo fechados sem nenhum encontro presencial: cerca de 31% das empresas B2B no Brasil afirmam ter concretizado vendas acima de R$ 500 mil utilizando apenas interações digitais, ainda segundo o Status do Marketing B2B de 2024.
Da hesitação à ação estratégica
Em última análise, a dúvida dos gestores frente ao marketing digital em plena era da IA reflete um choque de paradigmas. De um lado, o modus operandi consolidado por anos de experiência analógica; do outro, um novo mundo onde os algoritmos e as conexões virtuais redefinem as regras do jogo.
Superar essa dissonância requer, antes de tudo, mudança de mentalidade. É preciso entender que apostar no digital não implica descartar o fator humano ou abandonar o relacionamento – significa ampliá-los por novos meios. A confiança, elemento central no B2B, continua a ser construída com conteúdo relevante, com diálogo e com entrega consistente de valor.
A diferença é que, hoje, grande parte desses elementos se manifesta primeiro no ambiente online. Os gestores que ainda duvidam do poder do digital talvez estejam, na verdade, expressando um anseio por segurança: querem a garantia de que suas decisões trarão resultados.
A boa notícia é que nunca tivemos tanta capacidade de mensuração e aprendizado contínuo como agora. Cada campanha digital gera uma riqueza de dados que permite ajustar rotas quase em tempo real. Cada interação de um prospect pode ser monitorada e analisada, revelando o que funciona ou não. Ou seja, o marketing digital oferece justamente o que sempre se cobrou das ações tradicionais: accountability e otimização constante.
A resistência de parte dos gestores B2B ao marketing digital na era da IA é um fenômeno compreensível, porém cada vez menos sustentável. O mercado caminha para um modelo em que não há espaço para dicotomia entre “digital” e “tradicional” – ambas as frentes se fundem numa abordagem única, centrada no cliente e movida a dados.
Aqueles que ainda duvidam do poder do digital correm o risco de ver suas marcas perderem relevância junto a um público que já nasceu conectado. Os desafios existem, sem dúvida, mas as oportunidades de crescimento e inovação são ainda maiores para quem estiver disposto a dar esse passo adiante.
Escrito por: Emilia Bertolli
*Emilia Bertolli, fundadora da Intelligenzia. A Intelligenzia é pioneira em marketing B2B no Brasil.