Inteligência Artificial: a história da inovação tecnológica não se repete, mas rima

Mudança tecnológica e IA geram ansiedade nas lideranças: para onde investir? Descubra tendências e estratégias para negócios no futuro

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Imagem: Freepik (Pikaso) / Falando Tech

Momentos de acelerada mudança tecnológica, como que está ocorrendo com a Inteligência Artificial neste momento, provocam certa ansiedade nas lideranças de negócio. Para onde está indo a tecnologia? É uma bolha? Como e de que maneira a empresa deve investir?

A ansiedade vem da percepção de que falta um modelo de análise estruturado para um cenário de grande incerteza, como os que há para outras tomadas de decisão rotineiras nas corporações – o que seria o equivalente a uma demonstração financeira ou um balanço para avaliar a inovação?

Há algumas pistas para entender este fenômeno. Qualquer pessoa que acompanhe as notícias sobre tecnologia e inovação já se deparou com os “hype cycles”, “curvas S” ou mesmo as “ondas longas” propostas pelos economistas Nikolai Kondratiev e Joseph Schumpeter há mais de cem anos. O risco está em olhar para estas referências como prescrições sobre o que acontecerá.

Mark Twain alertou que a história não se repete, mas rima. Desta forma, a história deve ser olhada para construir um modelo que permita entender as rimas, e o ritmo, da transformação, provendo perspectivas úteis para tomar decisões.

Em palestra no Websummit, semana passada em Lisboa, Brad Smith, presidente da Microsoft, lembrou de dois conceitos importantes que ajudam a compor a métrica da rima, iluminando o panorama da IA nos próximos anos.

O primeiro deles se refere ao fato de que as trajetórias de Inovação são muito mais do que o momento da introdução das novas tecnologias. A etapa crucial é a de difusão, quando ocorre a adoção em escala, com empresas e consumidores usando a nova tecnologia e transformando suas rotinas, negócios e operações.

O segundo é o entendimento que que uma nova tecnologia, especialmente uma tecnologia de propósito geral (“General Purpose Technologies”, em inglês, compondo uma sigla que, por coincidência do destino, é a mesma da tecnologia chave da inteligência artificial generativa, a “Generative Pre-trained Transformers”: GPT), envolve mudanças em diferentes camadas de uma arquitetura tecnológica – no inglês, o “technology stack”. Na base há a infraestrutura, no meio as plataformas e no topo as aplicações. A dinâmica é distinta em cada camada, mas há uma realimentação entre elas.

Estes conceitos são importantes para capturar lições históricas de mudanças técnicas semelhantes. Olhando a introdução da energia elétrica, na segunda revolução industrial, entre o final do Século XIX e início do Século XX.

Inicialmente a tendência foi as fábricas apenas colocarem geradores elétricos substituindo as caldeiras – assim como haviam feito quando substituíram os moinhos de água pelo vapor, cem anos antes. Sem mudanças estruturais nos processos e sem haver uma grande adoção.

A revolução de maiores proporções ocorreu com a reconfiguração do modelo industrial em frente simultâneas e conectadas.

Por um lado, as manufaturas redesenharam os modelos produtivos com base no que a eletricidade proporcionada. Ao invés de precisar transmitir energia mecânica por eixos, que tinham operação complexa e limitavam o desenho físico das fábricas, se tornou possível transmitir eletricidade por fios e colocar os equipamentos no local de uso.

Por outro lado, houve também um redesenho da própria cadeia de valor, começando por um aspecto particularmente importante no contexto atual de discussão sobre uma possível bolha de investimentos em inteligência artificial, que foi a disponibilização da infraestrutura. No começo, a maior parte da energia era gerada localmente, nas próprias fábricas. Mas, com o tempo e o aumento da adoção da eletricidade, surgiram as concessionárias de energia elétrica, que, por sua vez, levou a um aumento ainda mais acentuado na adoção da eletricidade, pois o industrial não mais precisava se preocupar com a geração.

Mais ainda, tomando proveito de um grande investimento em geração centralizada de energia elétrica, surgiram os grandes provedores de dínamos, máquinas elétricas e todo um novo setor de equipamentos que não existia antes.

Uma dinâmica semelhante aconteceu mais recentemente no início da internet, como descrito pelo investidor de risco, e pioneiro dos navegadores de internet, Marc Andreessen. Ele nota que, apesar da bolha da internet ter estourado, os investimentos iniciais em infraestrutura, prepararam o terreno para a economia digital que decolou na década de 2010. Depois vieram as plataformas, incluindo dispositivos móveis, que desaguaram nas aplicações de consumo e empresariais que criaram a economia digital nos últimos 10 anos.

Este ciclo de inovação nas diferentes camadas e acoplamento positivo impulsionando os negócios é um dos mais importantes referenciais para serem levados em conta na análise de uma estratégia de inovação. Esta perspectiva ajuda a rimar os próximos compassos da transformação dos negócios pela inteligência artificial com esta melodia da história econômica.

Na perspectiva das lideranças corporativas, entender esta dinâmica é importante não apenas para iluminar as decisões, mas para ressaltar os riscos da não-inovação, em um cenário de mudança estrutural, em que a transformação é não-linear. Companhias falham na inovação por falar na correta avaliação das oportunidades que advém da mudança da arquitetura tecnológica.

Presos em modelos mentais de avaliação que olham para transformações incrementais e de curto prazo, os executivos correm o risco de tomarem decisões estratégicas que acabam se relevando uma melodia dissonante.

*Por Denis Balaguer

*Denis Balaguer, Diretor de Inovação e do Wavespace da EY para América Latina


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